terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Festival de gelo e blues em Strathcona

Já falei aqui de Vancouver, na província da Colúmbia Britânica, no Canadá, um lugar pelo qual eu sou apaixonada (ver post anterior). Mas hoje quero falar de outra região do país, bastante diferente de BC e com características marcantes do pólo norte. Vou falar da província de Alberta e mais especificamente da cidade de Edmonton, onde estou morando com o Newtinho, meu marido, deste novembro do ano passado.

Aqui vive o típico canadense que, infelizmente, nos últimos anos vem se parecendo muito com o americano padrão, dada a proximidade e as intensas relações comerciais desenvolvidas entre os dois países. Este cidadão come muita besteira, não é muito envolvido com arte e cultura e adora esquiar. A influência country é marcante e não é raro topar com cowboys de filme pelas ruas de Strathcona, bairro histórico e um dos locais mais charmosos da cidade.

Demorei a entender que Vancouver, onde eu havia morado há dez anos, é uma exceção do país. Claro, uma linda e divertida exceção, mas que não pode jamais ser tida como exemplo do estilo canadense. Assim como Nova York não reflete o estilo americano tradicional, Van é uma cidade do mundo e aglomera culturas e nacionalidades de todos os cantos.

Se é possível falar de um típico cidadão canadense – os imigrantes são mais da metade da população – provavelmente este sujeito mora em Alberta. É quase certo também que ele goste do frio. A neve é parte importante da identidade cultural dos moradores. É quase um orgulho nacional. E, sem dúvida, temos que tirar o chapéu para a forma como este povo aprendeu a lidar com um clima tão inóspito. Incrivelmente as coisas funcionam bem. E olha que o inverno aqui é longo e a neve, que aqui dura vários meses, faz com que as temperaturas se tornem assustadoras.

Muita gente me pergunta como é viver em um lugar onde as médias de inverno ficam entre -15c e -20c. E eu digo sempre. Não, não é fácil. Não, não é divertido. Não, não é charmoso. E sim, é difícil. Mas dá para viver. Nunca falta comida. Ainda que quase nada seja produzido aqui, encontra-se de tudo nos supermercados a preços bem razoáveis. O transporte é ótimo e assim é possível planejar seu trajeto em meio a um dia gélido sabendo que o ônibus não vai te deixar na mão. Esqui e showboard são uma mania nacional. E, para os namorados, há também várias pistas de patinação ao ar livre. Para os consumistas, em Edmonton fica o maior shopping center da América do Norte e um dos maiores do mundo, o West Edmonton Mall. Até eu, que não acredito estar incluída nesta categoria, tenho me divertido bastante por lá. O lugar é um mundo, tem aquário, show de focas, uma réplica perfeita da caravela Santa Maria de Colombo e até uma praia artificial. E as lojas são muito boas e com preços excelentes. Vamos ser sinceros: comprar traz alegria, mesmo que falsa, mas traz!

Além disso, a cidade não tem muito mais o que oferecer. Quando o frio aperta demais, com as insuportáveis nevascas, não há muito o que se fazer e fica-se  muito em casa. Os últimos dias haviam sido assim, meio tristonhos. As nevascas e um frio absurdo nos detiveram em casa a maior parte do tempo, o que não é muito saudável. Sair aqui é importante e, muitas vezes, é preciso nos forçar a isso, para não cairmos na conhecida depressão de inverno.

Foi o que fizemos nesta segunda-feira. A programação escolhida foi o “Ice on Whyte Festival”, um festival de esculturas de gelo que acontece todos os anos em Edmonton. Devidamente equipados com casacos, blusas de lã, cachecol, perneira, gorro e luva, lá fomos nós! Antes, no entanto, tivemos que abrir uma trilha na porta de casa, já que a neve já passava da altura do joelho... Sem desanimar seguimos em frente.
Newtinho abrindo uma trilha na neve para sair de casa

O festival segue o mesmo estilo de uns eventos russos, que acontecem em Moscou. Escultores do mundo inteiro vêem à cidade para participar de uma competição de obras de gelo, que ficam expostas ao público em um terreno fechado, dentro do bairro histórico de Strathcona. São dragões, budas, coelhos, figuras míticas e tudo mais que se possa imaginar. É uma exposição ao ar livre estilo polar. No meio de tudo, é montada uma tenda onde são servidos chocolate quente e café, para que as pessoas consigam sobreviver à temperatura e curtir o festival sem congelar.





Esculturas de gelo do Ice on Whyte Festival, em Edmonton

O evento é legal e o mais interessante é ver como os canadenses curtem de fato o frio. Enquanto eu e Newtinho batíamos boca de frio, as criancinhas de Edmonton brincavam no escorregador de gelo e percorriam os muros de um labirinto também de gelo. Saímos do festival felizes, mas com frio no pé. Caminhamos pelas ruas de Strathcona em busca de uma cafeteria para tomar algo quente. Nestas horas, nada melhor do que um Starbucks! Por coincidência, encontramos o Milton, amigo e companheiro de trabalho do Newtinho, também brasileiro e mineiro. Decidimos fazer algo, para aplacar a tristeza de inverno. Tentamos o cinema mais próximo. Não abria segunda. Depois de alguns olhares, decidimos tomar uma cerveja para esquentar a alma e curtir uma boa música.

Fomos no “Blues on Whyte”, a melhor pedida entre os pubs da região. Lá tem música ao vivo todos os dias e as bandas costumam ser muito boas. O show do dia estava a cargo de Morgam Davis, um senhor de Detroit, que mora em Toronto e roda o mundo há anos com sua banda, composta por outros senhores como ele, cheios de estilo e simpatia. O cara é muito bom e, por conta dele, bebemos bastante cerveja e dançamos muito.




Com o fim do show, que por sorte bateu com o horário do nosso ônibus, formos embora com os corações mais aquecidos. A saída do pub, como sempre, trouxe aquele momento de choque. Lá dentro tudo quentinho, pessoas de camiseta, gente dançando. E lá fora, míseros -20c... Nosso ponto de ônibus acumulava quase um metro de neve, uma coisa inacreditável. Mas o veículo nunca atrasa e, neste dia, chegou até antes do previsto. Rapidinho já estávamos dentro do aquecimento de novo e a vida lá fora, tão inóspita, ficava pra trás. Mais um dia havia se passado no pólo norte.


Um pouco de neve no banco do ponto de ônibus

2 comentários:

  1. Cacá,
    que experiência! Na volta, tem que ser pelo menos um mês de Bahia para descongelar!
    Saudades!
    Carol

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  2. Ah Bahia! É tudo que eu mais quero hoje! bjos

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